Por Eugênio Nascimento - Jornal da Cidade
Jornal da Cidade: O pesquisador e professor Dr. José Vieira da Cruz, atualmente vice-reitor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), lançará no dia 14/11/2017, terça-feira, no horário das 17h às 20h, no Museu da Gente Sergipana, o livro “Da autonomia à resistência democrática: movimento estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe, 1950-1985”. Como o senhor descreveria a sua trajetória profissional e acadêmica?
José Vieira da Cruz: Primeiro agradeço ao espaço e a oportunidade de falar do lançamento do meu livro e um pouco de minha trajetória de vida. Nasci na cidade de Aracaju, filho de um marceneiro aposentado e de uma agricultora e dona de casa. Sou graduado em História (1998) e mestre em Sociologia (2003), ambos pela Universidade Federal de Sergipe. O doutorado (2012) foi na Universidade Federal da Bahia (UFBA), defendendo a tese, agora convertido em livro, que será lançada dia 14/11/2017, no Museu da Gente Sergipana. Profissionalmente, exerci a docência na Rede de Educação do Estado de Sergipe (1998-2013) e na Rede Municipal de Educação de Aracaju (2002-2013). Fui professor do Curso de História na UFS e na UNIT. E, desde 2013, exerço a docência junto ao curso de História do Campus do Sertão/UFAL e junto ao Programa de Pós-graduação em História/UFAL. Sou membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), da Academia Alagoana de Educadores (ACALE) e da Comissão de Altos Estudos do Arquivo Nacional.
Jornal da Cidade: Além da autoria do livro “Da autonomia a resistência democrática”, que outras pesquisas são de sua autoria?
José Vieira da Cruz: Escrevi, em 2010, dentro da perspectiva do ensino à distância, o livro “Formação sócio-histórica do Brasil”, publicado pela UNIT, e, no mesmo ano, organizei junto com o Professor Antonio Bittencourt Júnior, por ocasião do centenário de publicação da obra “A América Latina: males de origem”, o livro “Manoel Bomfim e a América Latina”, publicado pela Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe (Edise). Além de uma dezena de outros trabalhos, entre capítulos de livros e de artigos publicados em revistas especializadas, dentre os quais destaco: “Estudantes vigiados: órgãos de segurança e informação na Universidade Federal de Sergipe”, publicado na Revista Ponta de Lança, em 2008; e “ Apesar do AI-5: a (re)organização do movimento estudantil universitário em Sergipe (1969-1985)”, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe., em 2009; e os capítulos de livro: “A reação estudantil à Lei Suplicy no Nordeste, 1964-1967”; “Tempos difíceis: os estudantes, a Operação Cajueiro e a repressão política em Sergipe, 1969-1976”; “Trabalhadores dos trilhos e a resistência a ditadura civil-militar em Sergipe, 1964-1983”, publicados em 2015; e “O IHGSE e a Sociedade em Sergipe,1951-2012”, publicado em 2014.
Jornal da Cidade: Professor José Vieira que discussões são abordadas em sua tese de doutorado, ou melhor, no livro que será lançado agora dia 14 de novembro? Que conteúdo revelador sobre a sociedade brasileira a partir de Sergipe vamos encontrar nesta publicação?
José Vieira da Cruz: É uma pergunta muito interessante! Este é um livro sobre a História do Brasil pensada a partir de Sergipe e da atuação movimento estudantil universitário, entre 1950 a 1985. A partir deste fio condutor, busco descortinar nuances sobre o ensino superior e a sociedade brasileira em dois contextos distintos: no primeiro, após o fim da ditadura do Estado Novo, 1937-1945, discuto experiências nacionalistas e reformistas; no segundo, no contexto dos 21 nos da ditadura civil-militar, 1964-1985, analiso as experiências de resistência em torno da defesa da autonomia universitária, da democracia e da defesa do Estado de Direito.
Jornal da Cidade: O livro aborda um período histórico distinto e relativamente longo. Como surgiu o interesse por esse tema e como, metodologicamente, encontra-se fundamentado?
José Vieira da Cruz: Este livro é o resultado de uma longa pesquisa, iniciada ainda na graduação, em 1996, a partir da leitura de um artigo intitulado “ Pensando o País através da cultura”, pulicado pela revista Cardernos do Terceiro Mundo, e concluída em 2012, com a defesa de minha tese de doutorado na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Nesse interstício, visitei inúmeros arquivos em Sergipe, na Bahia e no Rio de Janeiro, consultando mais de 4 mil páginas de documentos, uma dezena de milhares de páginas dos jornais, relativas aos 35 anos abordados por essa pesquisa. Além de ter realizado mais de uma dezena de entrevistas com sujeitos que vivenciaram o referido período pesquisado, e de ter consultado a vasta bibliografia relacionada ao tema do movimento estudantil, do ensino superior e da sociedade brasileira.
Jornal da Cidade: O que a análise dessas fontes revelaram?
José Vieira da Cruz: A análise das fontes e as leituras realizadas revelaram dois importantes momentos da sociedade brasileira, vistos a partir de Sergipe e do movimento estudantil como fio condutor para compreender a sociedade e o ensino superior. O primeiro, de 1950 a 1964, marcado pela guerra fria e pelo debate nacional e desenvolvimentista, descortina o aprendizado da sociedade, recém-egressa da ditadura do Estado Novo, 1937-1945, no tocante a participar das tomadas de decisão política do País, em particular no que tange ao debate das reformas de base. O segundo, de 1964 a 1985, contexto marcado por mais um golpe de estado e uma longa ditadura civil-militar, revela como a sociedade manteve-se na luta pela criação de uma universidade no estado, como o debate em torno da criação da UFS foi configurado em meio a censura e a repressão política. E como, mesmo diante desse duro aprendizado, de uma ordem política imposta, o movimento estudantil e a sociedade encontram formas e estratégias de resistência, em torno da defesa da autonomia universitária e da democracia, para reorganizar as entidades estudantis, lutar por eleições diretas para os diretórios dos estudantes, para a reitoria da universidade e para a presidência da República.
Jornal da Cidade: Qual a importância da autonomia universitária para a defesa da democracia e a organização da sociedade?
José Vieira da Cruz: O princípio da autonomia universitária é o fundamento essencial para a construção do pensamento livre e plural. É o princípio que assegura a formulação de alternativas diferentes de gestão com controle e participação da comunidade universitária. Em outras palavras, a autonomia possibilita que o ambiente universitário além de ser um espaço de formação profissional e científico, seja também, um espaço de formação de cidadania e de lideranças políticas, culturais, empresariais e sindicais. Na prática, a universidade pública é a grande “Ágora da democracia brasileira”.
Jornal da Cidade: Então, o argumento de que a universidade é também o espaço de formação de elites dirigentes aparece em seu livro?
José Vieira da Cruz: Sim! Embora eu não tenha trabalhado com o conceito de elites ou de “elites dirigentes” como bem observado por você, a universidade como espaço de formação também se configura por tecer perfis políticos e éticos. Preferi trabalhar com o conceito de intelectuais e associei a definição de movimento estudantil universitário a compreensão de intelectuais em processo de formação. Deste processo de formação científica, profissional, ético e político, observei, a partir dos registros analisados, a presença de personalidades que hoje atuam no cenário político e cultural local e nacional. Desde governadores, prefeitos, parlamentares, sindicalistas, artistas dentre outras lideranças sociais. A leitura do livro contextualiza alguns desses sujeitos.
Jornal da Cidade: Como o livro está estruturado?
José Vieira da Cruz: O livro está estruturado em nove capítulos que podem ser lidos de forma separada e independente. Em conjunto, as 623 páginas do livro “Da autonomia à resistência democrática” apresenta um estudo de média duração, relativos a 35 anos da atuação do movimento estudantil universitário em Sergipe, desde a fundação dos primeiros diretórios e centros acadêmicos, na década de 1950, até a reorganização do movimento estudantil após a intervenção, censura e repressão da ditadura civil-militar, no período de 1964 a 1985. A partir desse fio condutor, diferentes experiências e mediações relativas à formação estudantil e à Universidade são discutidas, a exemplo do debate sobre as reformas de base, a necessidade de criação de uma universidade no estado, a participação da sociedade em experiências de educação e cultura popular, a repressão da censura deferida contra a sociedade durante a ditadura, as alternativas de resistências durante os Festivais de Arte de São Cristóvão, o duro aprendizado da defesa da autonomia universitária e da democracia, dentre outros. Estas Experiências formativas foram decisivas na e para renovação/estruturação de lideranças políticas, profissionais e artísticas.
Jornal da Cidade: Como historiador, seus estudos concentraram-se na relação do movimento estudantil, do ensino superior e da sociedade em Sergipe, em particular na segunda metade do século XX. Atualmente, o senhor é o vice-reitor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). É possível estabelecer algum paralelo entre a experiência de pesquisa e a de gestão?
José Vieira da Cruz: Infelizmente, o tempo é muito curto para estabelecer a relação entre ambas as afirmações feitas por você. De modo simplificado, posso dizer que a resposta é afirmativa. Posso salientar que minha experiência com esta pesquisa, a partir do ponto de vista da sociedade, em particular do movimento estudantil, e o esforço da sociedade para criar uma universidade no estado – processo efetivado em 1968 com a criação da Fundação Universidade Federal de Sergipe, nossa conhecida UFS – , revelaram uma fase da expansão do ensino superior no Brasil. Um processo, vale registar, bastante tardio quando comparamos com a Europa e a América Latina de língua hispânica, por exemplo. O conhecimento desse movimento de re-estruturação acadêmica, social e política tem sido um importante ponto para refletir o atual momento das universidades brasileiras, incluindo a UFAL. Especialmente, quanto aos desafios que enfrentamos para consolidar a interiorização das universidades federais e assegurar o ensino superior público federal e gratuito que vem sendo implantado e implementado na última década.
Jornal da Cidade: Como o gestor Professor Dr. José Vieira avalia esse momento de crise enfrentado pelas universidades brasileiras, em particular, no tocante a interiorização do ensino superior?
José Vieira da Cruz: Entendo a importância desse processo de interiorização da Universidade. Avalio ser preciso fazer algumas adequações em sua forma de implantação e consolidação em Alagoas e no Brasil. Noto que no interior o nosso trabalho é ainda mais importante, porque a carência que existe nos campi fora de sede é muito grande. A Universidade tem uma dívida histórica com essas populações que vivem fora das regiões metropolitanas, seja de Maceió, de Aracaju, de São Paulo ou Salvador. É importante dar a essas populações uma oportunidade de formação e de construção do conhecimento e de cidadania. Do mesmo jeito, que foi significativo para a sociedade brasileira a federalização das universidades, ocorrido nos anos de 1950 e 1960 – processo que resultou na criação de universidades federais como a UFAL, a UFBA e a UFS. Esta última contextualizada e discutida em meu livro.
Jornal da Cidade: Que mensagem o autor deixa para os leitores do livro “Da autonomia à resistência democrática: movimento estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe, 1950-1985”?
José Vieira da Cruz: O Brasil tem vivenciado tempos difíceis e de grandes incertezas. Nestes momentos, discutir como a sociedade, as universidades e o País superaram alguns de seus desafios pode ajudar a pensar outros horizontes e expectativas. Em torno deste propósito, espero que o(a)s leitore(a)s do livro de nossa autoria, “Da autonomia à resistência democrática: movimento estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe, 19501985”, publicado pela Editora da Universidade Federal de Alagoas (Edufal), possam compreender algumas experiências de um passado, ainda muito próximo e presente, e analisar os desafios do presente a partir de horizontes de expectativas firmados na defesa da autonomia universitária, da democracia e do Estado de Direito.
Texto publicado: CRUZ, José Vieira da; NASCIMENTO, Eugênio. Este livro é sobre a História do Brasil pensado a partir de Sergipe - Entrevista com José Vieira da Cruz, por Eugênio Nascimento. In:Jornal da Cidade. Ano XLVII, nº 13520, 14/11/2017, p. B-7. Disponível em: http://www.jornaldacidade.net/sgw/upload/2017-11-14_08-09-44_1.pdf>, capturado em 14/11/2017
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