José Vieira da Cruz*
Assim, como o ato de
lembrar é uma forma de reconhecimento, a rememoração da emancipação política de
Sergipe é uma oportunidade para avaliar a importância deste acontecimento para
a história do Brasil e, particularmente, desta história a partir de Sergipe. Parafraseando Le
Goff, alimentar a memória de homens e
mulheres a respeito de um acontecimento histórico requer gosto, estilo, paixão,
rigor e método. Embora, nem sempre seja possível reunir em uma exposição
tantas qualidades, cabe, nessa oportunidade, evocar o registro do Decreto de 8 de Julho de 1820 e a teia de significados
históricas que ele envolve.
Neste sentido, é preciso compreender esse
documento produzido dentro das reformas político-administrativas de 1820,
colocadas em curso pelo Império Português para acalmar os movimentos
revolucionários reconfigurando o Nordeste rebelde e aumentando suas
possibilidades de controle em casos de revoltas, numa clara remissão a
Revolução Pernambucano de 1817, e, desta forma, ao separar Sergipe da Bahia a
administração portuguesa buscava evitar que uma eventual revolta envolvesse
toda a região. Atendia, também, ao pleito de separação das autoridades e de
parte da sociedade local: uma retribuída por sua fidelidade ao Rei no episódio
da Revolução Pernambucana de 1817. A compreensão histórica da teia
de significados deste documento tem alimentado em maior ou menor grau as
interpretações a respeito da emancipação política da Capitania de Sergipe: uma
interpretação fundada nas reformas administrativas do Estado Português em meio à
crise do Antigo Sistema Colonial, e outra que tende a valorizar o pleito
autonomista.
A primeira interpretação tende a situar as
estratégias da administração da coroa portuguesa em meio à crise do Antigo
Sistema Colonial como estratégia para
evitar e postergar o quadro de revoluções e independências que se viam
processando na Europa e na América, respectivamente. Reformas iniciadas no arco
histórico da administração pombalina, período caracterizado pela: expulsão
dos jesuítas, incentivo à expansão da cana-de-açúcar, inclusive em novas áreas,
e pela diversificação da produção agrícola e das áreas produtora. Essas reformas tiveram um profundo impacto na
dinâmica econômica do território de Sergipe, que passava a estreitar cada vez
mais os laços de vinculação econômica, política e social com a Bahia. Dinâmica
viabilizada, em contrapartida, pela intensificação da expropriação da
mão-de-obra escrava e das relações de trabalho não-assalariadas, o que
preconizou, nos anos seguintes, revoltas de escravos e índios, além da
potencialização dos e atos de violência cotidianos.
No desenrolar desse
processo de reformas administrativas, continuado pelos reinados de D. Maria I e
D. João VI, e sob a égide dos ventos da revolta dos escravos no Haiti e da
revolução que levaria a queda do antigo Regime na França, a coroa portuguesa se
depara com a Revolução Pernambuco de 1817 e a Revolução Constitucionalista do
Porto em 1820. Inserido neste contexto, e à luz desta corrente interpretativa, Sergipe não teria sido alçada a
condição de Capitania como recompensa
por ter enviado efetivos militares e suprimentos para deter os
revolucionários pernambucanos em 1817. Essa
decisão envolvia interesses políticos, econômicos e, sobretudo, estratégias
para toda a região. E Sergipe, a
exemplo da época da Guerra do açúcar, entre Portugal e a Holanda, é alçado a condição
de território estratégico, retaguarda militar necessária para conter rebeliões
insurretas no Nordeste.
Essa argumentação fragiliza a hipótese da retribuição
real aos sergipanos que demonstraram fidelidade ao rei nos acontecimentos de
1817. Entretanto, não descortina a importância do pleito autonomista que
conferiria aquele território a importância estratégica viabilizada pela Corte
Portuguesa no Brasil. A força desses argumentos, no entanto, minimizam o papel
da elite local e do jogo de interesses travados pelos seus partícipes frentes a
tensões sociais e econômicas da época. Posição
melhor explanada, mais ainda não esgotada, pela já consolidada historiografia
local.
Esta outra emancipação, fundada no pleito
autonomista, não se fez em um dia, nem apenas por Decreto Real, embora o tenha
tomado como ponto de referência para avanços, recuos, indefinições e para
afirmação de uma ordem que se impôs, ainda que mantendo de fora e sob relativa
disciplina populações indígenas, escravas, de libertos, de mestiços e de homens
e mulheres pobres. Essa outra emancipação foi uma obra construída por gerações
que antecederam os desdobramentos do 8 de julho de 1820.
Os caminhos desta
história social do despertar deste sentimento autonomista pode ser capturada e
melhor compreendida no devenir de acontecimentos como a revolta
de sua população face ao abandono em que se deparou o território de Sergipe após a Invasão Holandesa (1637); no
reconhecimento de sua autonomia judiciária em 1696, fato que circunscreve São Cristóvão como comarca judiciária das
terras entre o Rio São Francisco e Itapecuru;
na aceleração de sua econômica em face das reformas econômicas
pombalinas, tornando-se uma região açucareira,
além de manter-se como zona de abastecimentos dos centros coloniais da época, na
preocupação e hesitação de sua elite
colonial face às revoltas de índios
sublevados e escravos revoltados.
Por todas essas considerações, explorar, ainda que
rapidamente, a teia de significados históricos suscitada pela celebração do 8
de Julho é uma das possibilidades de reconhecer e valorizar a história e a
cultura do Brasil a partir de Sergipe. Mas isso ainda não é o bastante. Ela
deve, e pode, contribuir também para a elevação da auto-estima dos sergipanos e
de sua contribuição na construção da nacionalidade brasileira. A construção
deste “instinto de nacionalidade” brasileira, como diria Machado de Assis, ou
de sergipanidade como desejamos, “não se fará num dia, mas pausadamente, para
sair duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão (...)
até perfazê-la de todo”. Neste sentido, quiçá, a construção dos sentidos desta
comemoração será, em breve, símbolo de orgulho e identidade entre nós.
* Doutor em História (UFBA). Prof. da SEED, da SEMED e da UNIT.
FONTE:
CRUZ, José Vieira da. “A emancipação
política de Sergipe: uma
teia de significado históricos”. In: Jornal da Cidade, 10/07/2008.
Parabéns pela contribuição ao nosso Estado.
ResponderExcluirObrigado Profª. Gleici!
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