segunda-feira, 1 de julho de 2013

As manifestações de junho - Por Ibarê Dantas



 infonet.com.br
Em entrevista concedida ao "Jornal do Dia", publicado no dia 30 de junho de 2013, o historiador e cientista político Ibarê Dantas, aqui intitulada "As manifestações de junho - Por Ibarê Dantas",  tece uma avaliação inicial das implicações políticas das manifestações ocorridas no mês de junho, expressa seu olhar sobre a necessidade de uma reforma política,  dos significados acerca da noção ampliada de democracia/cidadania, dos limites da contenção pela violência dessas manifestações, da temeridade  da convocação de uma assembleia constituinte e  questiona a eficácia  que a realização de um plebiscito pode produzir.
Vale a leitura:



Entrevista com o Professor Ibarê Dantas para o Jornal do Dia:

Jornal do Dia - O aumento nas tarifas de ônibus foi o mote para essas manifestações que se repetem pelo País, inclusive em Aracaju. O senhor já fez uma reflexão sobre isso?

Ibarê Dantas – Penso que a tarifa de ônibus foi um problema que despertou outras demandas decorrentes de transformações que vêm se processando no mundo e particularmente no país. Entre essas mudanças, certamente a de maior abrangência tem sido a revolução nos meios de comunicação. Enquanto isso, no Brasil, a classe média se ampliou e o atendimento dos serviços públicos de saúde, de segurança e do ensino fundamental pioraram sensivelmente dentro de um Estado que não se aparelhou para atender às necessidades básicas da vida das pessoas nas grandes cidades.
Os partidos, por sua vez, que já vinham perdendo legitimidade, estimulados por uma legislação permissiva, passaram a adotar práticas cada vez mais acintosas. Adotando um pluripartidarismo permissivo pelo voto proporcional aberto, caso raro no mundo, distanciaram-se do interesse público. A situação se agravou a partir de 2003, quando houve um grande esforço, nem sempre lícito, por parte do Executivo Federal, no sentido de montar uma ampla coalizão política para controle hegemônico da sociedade. Resultado: o governismo imperou protegido pela grande maioria, inibiu a oposição, cooptou centrais sindicais e numerosos segmentos da sociedade. Diante dessa situação confortável, pôde operar várias intervenções na economia prejudiciais às finanças das diversas unidades federativas. Isso deve ter contribuído para que os Estados e as prefeituras encontrassem mais dificuldades para atender às demandas sociais, mesmo porque, urge reconhecer, eles nem sempre consideraram os serviços públicos como elementos prioritários.

JD – Os manifestantes reclamam das deficiências do serviço público, mas não têm reivindicações específicas nem líderes definidos. Como os governos devem agir nesse caso?

Ibarê Dantas - Esses são dois grandes problemas dos governos. Apesar de o movimento ser plural e enriquecedor para a democracia, a enorme diversidade das demandas e a falta de liderança representativa criam uma situação difícil e constrangedora para os governos. Uma alternativa seria sinalizar para atendimento de alguns pontos possíveis. A questão é que a maioria das reivindicações não pode ser atendida a curto prazo. Além disso, existe uma implicação incômoda. Como a mentalidade do século XXI de cidadania ampliada proíbe que se criminalizem os movimentos sociais, por mais que se diga que o movimento é pacífico, há sempre um espaço para uma minoria de ativista depredar e saquear o patrimônio público e privado, e jogar pedras na polícia. Como as lideranças reivindicam e o ministério público recomenda que não se usem armas, nem as não letais, resta à polícia proteger-se com seus escudos e os empresários se conformarem com seus prejuízos. Falta saber até quando eles estão dispostos a suportar essa situação. Além disso, ainda existe a interrupção de ruas e estradas, impedindo o direito de ir e vir.

JD – A nível nacional a presidente Dilma vem tentando entender o movimento e adotou alguns gestos como a proposta de convocação de um plebiscito sobre reforma política. Esse é o grande problema nacional?

Ibarê Dantas - Considero a reforma política uma questão importante, mas não se justifica através de plebiscito. Realmente alguns cientistas políticos há muito criticam esse pluralismo permissivo, sobretudo em sua coexistência com o voto proporcional aberto, inclusive por facultar os partidos de aluguel, o aumento da mercantilização na política, o aviltamento da vida partidária e a criação de problemas de governança. Entretanto, o próprio Congresso estabeleceu a cláusula de barreira e o STF manifestou-se contra em decisão lamentável.
Apesar disso, se houvesse grande empenho dos governos que gozam de ampla maioria, poderia melhorar muitos pontos tanto no sistema partidário como no eleitoral, mesmo considerando que a reforma política é um tema complexo de grande abrangência, envolvendo financiamento de campanha, fidelidade partidária, os tipos de voto –  proporcional aberto ou fechado, distrital, misto –, lista, forma de governo, reeleição, coligações, cláusulas de barreiras e assim sucessivamente, tudo dando margem a muita controvérsia.
Avalio que um tema desse não é apropriado para um plebiscito, muito menos apressadamente como está proposto. Dá a impressão que a presidente teve essa ideia como uma forma de desviar das reivindicações sociais e levar a sociedade a entreter-se imersa nessa polêmica. Quanto à ideia anunciada de constituinte exclusiva para fazer a reforma política, me deixou perplexo.

JD -  Como deveria ser feita essa reforma? Os partidos políticos são mesmo fundamentais?

Ibarê Dantas- Há várias formas de viabilizar a reforma política. Somente no Congresso existem várias propostas e algumas delas chegaram perto de serem aprovadas. Faltou empenho do governo e/ou de alguém com autoridade e vontade para construir o consenso. Agora, com a voz das ruas, o tema se torna mais fascinante e oportuno pela possibilidade de reforma, tanto no sistema partidário quanto no sistema eleitoral, com a incorporação de novas sugestões para ampliar a interlocução com o eleitorado e apresentar novas exigências aos candidatos. Com a popularização das redes sociais, na esfera municipal poderia se tentar novas formas de consulta popular, como alguns estudiosos do assunto têm sugerido. O importante seria ativar mais a relação entre o eleitorado e os candidatos e proporcionar mais responsabilidade aos eleitos do que têm hoje, pois, no sistema atual, pode-se dizer que o parlamentar é de fato irresponsável, uma vez que não responde pelos efeitos de suas proposições.
 De qualquer forma, considero os partidos fundamentais. Descartá-los seria jogar fora a criança com a água do banho. Quanto às reações das massas em relação aos partidos, de alguma forma são compreensíveis pela negligência como eles vinham atuando e pela imagem que deles se criou. Cabe agora à sociedade acompanhar melhor o processo político, melhorar os quadros de representação e fazer-se mais vigilante no acompanhamento de seus candidatos. O importante é renovar os partidos e torná-los mais legítimos. Pois os considero indispensáveis. Até hoje, outras formas experimentadas, entre os quais os conselhos populares, têm sido mais problemáticos no seu funcionamento e nefasto nos seus resultados.

JD -  O Congresso começou a dar algumas respostas às ruas, como no caso da PEC 37 e no endurecimento da legislação para casos de corrupção. Esses pontos ajudam a baixar a tensão?
Ibarê Dantas- Podem ajudar. Não sei até quando. Pois estou muito curioso em saber como esse movimento irá terminar e quais seus efeitos no arcabouço institucional de nossa República e na vida das pessoas.

Fonte: Jornal do Dia, 30 de junho de 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário