domingo, 7 de julho de 2013

Emancipação política de Sergipe: uma teia de significados



Sergipe comemora mais uma emancipação política. Em deferência a essa efeméride republico  um texto sobre o assunto.
 



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José Vieira da Cruz*


Assim, como o ato de lembrar é uma forma de reconhecimento, a rememoração da emancipação política de Sergipe é uma oportunidade para avaliar a importância deste acontecimento para a história do Brasil e, particularmente, desta história a partir de Sergipe. Parafraseando Le Goff, alimentar a memória de homens e mulheres a respeito de um acontecimento histórico requer gosto, estilo, paixão, rigor e método. Embora, nem sempre seja possível reunir em uma exposição tantas qualidades, cabe, nessa oportunidade, evocar o registro do Decreto de 8 de Julho de 1820 e a teia de significados históricas que ele envolve.



Neste sentido, é preciso compreender esse documento produzido dentro das reformas político-administrativas de 1820, colocadas em curso pelo Império Português para acalmar os movimentos revolucionários reconfigurando o Nordeste rebelde e aumentando suas possibilidades de controle em casos de revoltas, numa clara remissão a Revolução Pernambucano de 1817, e, desta forma, ao separar Sergipe da Bahia a administração portuguesa buscava evitar que uma eventual revolta envolvesse toda a região. Atendia, também, ao pleito de separação das autoridades e de parte da sociedade local: uma retribuída por sua fidelidade ao Rei no episódio da Revolução Pernambucana de 1817.  A compreensão histórica da teia de significados deste documento tem alimentado em maior ou menor grau as interpretações a respeito da emancipação política da Capitania de Sergipe: uma interpretação fundada nas reformas administrativas do Estado Português em meio à crise do Antigo Sistema Colonial, e outra que tende a valorizar o pleito autonomista.
 
A primeira interpretação tende a situar as estratégias da administração da coroa portuguesa em meio à crise do Antigo Sistema Colonial como estratégia para evitar e postergar o quadro de revoluções e independências que se viam processando na Europa e na América, respectivamente. Reformas iniciadas no arco histórico da administração pombalina, período caracterizado pela: expulsão dos jesuítas, incentivo à expansão da cana-de-açúcar, inclusive em novas áreas, e pela diversificação da produção agrícola e das áreas produtora. Essas reformas tiveram um profundo impacto na dinâmica econômica do território de Sergipe, que passava a estreitar cada vez mais os laços de vinculação econômica, política e social com a Bahia. Dinâmica viabilizada, em contrapartida, pela intensificação da expropriação da mão-de-obra escrava e das relações de trabalho não-assalariadas, o que preconizou, nos anos seguintes, revoltas de escravos e índios, além da potencialização dos e atos de violência cotidianos.
 
No desenrolar desse processo de reformas administrativas, continuado pelos reinados de D. Maria I e D. João VI, e sob a égide dos ventos da revolta dos escravos no Haiti e da revolução que levaria a queda do antigo Regime na França, a coroa portuguesa se depara com a Revolução Pernambuco de 1817 e a Revolução Constitucionalista do Porto em 1820. Inserido neste contexto, e à luz desta corrente interpretativa, Sergipe não teria sido alçada a condição de Capitania como recompensa por ter enviado efetivos militares e suprimentos para deter os revolucionários pernambucanos em 1817.  Essa decisão envolvia interesses políticos, econômicos e, sobretudo, estratégias para toda a região. E Sergipe, a exemplo da época da Guerra do açúcar, entre Portugal e a Holanda, é alçado a condição de território estratégico, retaguarda militar necessária para conter rebeliões insurretas no Nordeste.
 
Essa argumentação fragiliza a hipótese da retribuição real aos sergipanos que demonstraram fidelidade ao rei nos acontecimentos de 1817. Entretanto, não descortina a importância do pleito autonomista que conferiria aquele território a importância estratégica viabilizada pela Corte Portuguesa no Brasil. A força desses argumentos, no entanto, minimizam o papel da elite local e do jogo de interesses travados pelos seus partícipes frentes a tensões sociais e econômicas da época.  Posição melhor explanada, mais ainda não esgotada, pela já consolidada historiografia local.
 
Esta outra emancipação, fundada no pleito autonomista, não se fez em um dia, nem apenas por Decreto Real, embora o tenha tomado como ponto de referência para avanços, recuos, indefinições e para afirmação de uma ordem que se impôs, ainda que mantendo de fora e sob relativa disciplina populações indígenas, escravas, de libertos, de mestiços e de homens e mulheres pobres. Essa outra emancipação foi uma obra construída por gerações que antecederam os desdobramentos do 8 de julho de 1820.
 
Os caminhos desta história social do despertar deste sentimento autonomista pode ser capturada e melhor compreendida no devenir de acontecimentos como a revolta de sua população face ao abandono em que se deparou o território de Sergipe  após a Invasão Holandesa (1637); no reconhecimento de sua autonomia judiciária em 1696, fato que circunscreve  São Cristóvão como comarca judiciária das terras entre o Rio São Francisco e Itapecuru;  na aceleração de sua econômica em face das reformas econômicas pombalinas, tornando-se uma região açucareira,  além de manter-se como zona de abastecimentos  dos centros coloniais da época, na preocupação e hesitação de  sua elite colonial face às revoltas de  índios sublevados e escravos revoltados.
 
Por todas essas considerações, explorar, ainda que rapidamente, a teia de significados históricos suscitada pela celebração do 8 de Julho é uma das possibilidades de reconhecer e valorizar a história e a cultura do Brasil a partir de Sergipe. Mas isso ainda não é o bastante. Ela deve, e pode, contribuir também para a elevação da auto-estima dos sergipanos e de sua contribuição na construção da nacionalidade brasileira. A construção deste “instinto de nacionalidade” brasileira, como diria Machado de Assis, ou de sergipanidade como desejamos, “não se fará num dia, mas pausadamente, para sair duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão (...) até perfazê-la de todo”. Neste sentido, quiçá, a construção dos sentidos desta comemoração será, em breve, símbolo de orgulho e identidade entre nós.


* Doutor em História (UFBA). Prof. da UFAL.

FONTE:  CRUZ, José Vieira da. “A emancipação política de Sergipe: uma teia de significado históricos”. In: Jornal da Cidade, 10/07/2008.
 

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