José
Vieira da Cruz
Historiador
e professor da UFAL
Ao som do verso
“vem pra rua” – refrão que parece ter se transformado em um dos hinos dos
protestos ocorridos no mês de junho – vários cidades do país de norte a sul, de
leste a oeste, do litoral ao sertão, das grandes cidades as de médio porte,
foram sacudidas por multidões que foram as ruas reivindicar mais saúde, mais
educação, menos corrupção, ética na política, punição aos corruptos, liberdade quanto
à orientação sexual, enfim, em meio a uma agenda ampliada, gritavam por um país
melhor.
A força e a
velocidade desse movimento, impulsionado em grande parte pela dinâmica das
redes sociais, parece ter superado o foco que a mídia desejava fazer em relação
à Copa das Confederações. Esta última, em vários momentos, teve parte de seu
espaço cedido aos brasileiros(as) de diferentes idades, gêneros, classes e
interesses políticos/ ideológicos que participavam das manifestações.
Um fenômeno
social sem precedentes, que em fração de dias, transformou-se de protestos
contra o aumento das tarifas de transporte urbano – reprimidos pelo
Estado/polícia em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outras cidades – em uma das
maiores mobilizações de rua da história do país e do contexto internacional
atual. As manifestações parecem ter ocorrido em meio a uma espécie de catarse
social do qual emergiu uma polissemia de vozes e a uma metamorfose de sentidos.
Sabe-se que a
dinâmica das manifestações sociais e de seus movimentos ao longo do tempo não
se verifica de modo linear, evidenciando instantes em que seus atores
configuraram diferentes tramas, projetos e papeis. Para Alberto Mellucci, estudioso do campo dos
movimentos sociais e da juventude, este tipo de configuração de sentidos, independentemente
de sua natureza e composição, tende a impulsionar ações que ajudam a manter em
“aberto o espaço da diferença”, colaborando assim para “inventar o presente”
com alternativas sociais que nem sempre são convencionados pelo grupo hegemônico
ou dominante.
Entretanto, os
sentidos das manifestações de rua do mês passado, mais do que questionar um ou
outro projeto hegemônico, colocou em xeque o próprio sistema de representação política do
país, atingindo diferentes esferas de poder.
No primeiro instante, nem a chamada “esquerda” nem a chamada “direita”,
pareciam confortáveis com os questionamentos que passaram a sofrer dos
manifestantes que saíam as ruas exaltando o civismo, o nacionalismo, o
patriotismo e o apartidarismo como norte. Uma espécie, no sentido positivo do
termo, de anarquismo contemporâneo:
espontâneo, descentralizado e “apartidário”. Nesse contexto, o apartidarismo
foi confundido com o antipartidarismo e as bandeiras dos partidos, não obstante
suas tradições e significados, foram combatidas e proibidas. Em seu lugar as
cores da bandeira e o hino nacional passaram a ser a marca do movimento que continuou
a exigir ética na política, menos corrupção e, sobretudo, mais e melhores
serviços públicos de saúde, de educação, de segurança e de transporte, no
padrão FIFA é claro – em alusão aos
altos investimentos realizados pelo governo brasileiro na copa organizada pela
mencionada entidade esportiva.
Sob o impacto
dessas críticas, o governo federal, reuniu as pressas governadores e alguns dos prefeitos das principais cidades
do país, para anunciar um conjunto de pactos/compromissos para atender as vozes
da rua. Entre as propostas, os políticos
presentes, juntamente com a sociedade, foram surpreendidos com a sugestão de
debater a convocação de um constituinte exclusiva (?) e, posteriormente, da
realização de um plebiscito para promover uma reforma política no país. Uma
resposta ao clamor das ruas, ao menos na interpretação da Presidenta e de seus
assessores mais próximos.
Sem desconsiderar
a importância da reforma política, objeto que poderemos discutir em outra
oportunidade, a forma como ela foi anunciada –
em meio a um contexto de manifestações que pareciam ter levado
governadores, prefeitos e o governo federal as cordas, para usar uma expressão
do Box –, e a forma temerária e controversa como ela poderia ocorrer – através de uma constituição exclusiva (?) ou
de um plebiscito –, causou estranheza, polêmica e oposições as mais diversas.
A proposta de uma assembleia
constituinte exclusiva (?) de tão
temerária, após receber críticas da OAB
e de parte da comunidade jurídica – foi logo, nos dias seguintes, descartada.
Já a polêmica do plebiscito, ou mesmo de um
referendo, segue ganhando corpo. O Parlamento, ou grande parte dele,
parece não desejá-lo e apressar-se na aprovação de leis e de projetos – alguns
de seus membros, inclusive, advogam serem capazes de fazê-lo via Projeto de
Emenda Constitucional, a famosa PEC, mas parece que ainda não o fizeram. O
Judiciário, por sua vez, acusa o alto custo da realização de um plebiscito e os
riscos de fazê-lo às pressas considerando a relevância da matéria. Do outro
lado, os partidos da base aliada, sobretudo os denominados mais “à esquerda”, assim como suas bases
sindicais e suas juventudes, parecem sustentar, por razões obvias, a importância da realização do plebiscito. E
em meio a essas disputas, pelo visto, caso ele venha a ser realizado só deverá
valer para as (re)eleições posteriores a 2014.
Avaliando essas
controvérsias – os riscos políticos e
jurídicos da realização de uma assembleia constituinte exclusiva (?), e, as
restrições de custo e de tempo para a realização de um plebiscito tão
importante – penso em uma dupla
explicação para compreender as propostas anunciadas pela Presidenta, como ela
prefere ser chamada. A primeira delas refere-se à tentativa de comprometer os
políticos de diferentes partidos, presentes na reunião do referido anúncio, com a proposta de reforma constitucional. E a
segunda, dar uma resposta às reivindicações que estão ecoando nas ruas. Caso
essas premissas venham a ser mantidas, e considerando a gravidade do contexto e
do risco assumido, a presidência e seus assessores parecem ter deslocado as
atenções e acalmado, ainda que temporariamente, a multidão. Mas isso só o tempo
confirmará. No momento, tenho dúvidas se a sociedade comprou essa ideia e
destinou alguma atenção para debater a agenda da reforma política? E alguns críticos começam a indagar se esse é
o caminho para consolidar a jovem democracia brasileira? Com a palavra você
leitor.
Publicado:
Blog Primeira mão, 06/07/2013. Disponível em: http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=5956&t=ecos-das-manifestacoes-de-junho
Ótimo artigo!!
ResponderExcluirVou compartilhar essas riquezas de ideias...
Parabéns amigo!!
Gostei!!